Uma pequena congregação pentecostal, que encarava seu ultimo domingo como igreja, enviou um e-mail para Norberto Saracco pedindo oração. Eles perderiam sua propriedade em Buenos Aires a menos que pagassem U$ 25.000 – aproximadamente o que se ganha em um ano com as ofertas, e isso seria impossível naquele momento. Somente com esse valor eles poriam fim ao longo processo judicial envolvendo a propriedade.
Saracco, que é o co-lider do conselho de pastores na capital da Argentina, fez a oração e enviou outro e-mail dizendo: “Não somos capazes de gastar $25.000 para que uma igreja em Buenos Aires não feche”.Dois dias depois, pastores de um esquadrão de denominações diferentes doarão o dinheiro. Saracco explicou: “Quando dizemos que só existe uma igreja em Buenos Aires, essas são as conseqüências. Se quisermos uma igreja forte em Buenos Aires, cada igreja local tem que ser forte também”.
Este é apenas um dos frutos, ou talvez a experiência mais marcante de unidade, da igreja na vastidão dessa cidade.
Uma Idéia Simples
O movimento de unidade na Argentina é baseado em um conceito bíblico simples. “Cada vez que o Novo Testamento cita a igreja em uma cidade como Éfeso, é sempre no singular, nunca no plural”. Assim disse Carlos Mraida, pastor da Del Centro First Baptist Church. “No entanto, quando o Novo testamento fala da liderança em uma cidade, sempre fala no plural. A igreja é singular, mas a liderança é plural”.
“Quando vamos aos EUA não conseguimos entender a divisão da igreja”. Disse Saracco, pastor da Good News Church. “Você pode ver que há um pastor em uma esquina e outro na outra esquina e eles nem mesmo se conhecem. Aqui nós somos amigos”.
Entretanto, não é somente a amizade que está em jogo. Mraida estima que, enquanto 90% das igrejas em Buenos Aires cresceram durante esses 24 anos que ele tem servido como pastor, a cidade, fora das paredes da igreja, está significativamente em pior situação em praticamente todas as camadas espirituais e sociais. “Então parece que a igreja cresceu, mas o Reino de Deus não foi estabelecido”, disse Mraida.
“Jesus disse que a única condição para vermos o avivamento chegar seria nos tornarmos um, então o mundo iria crer (João 17:20-23). O modelo missionário no qual cada um faz do seu próprio modo não funciona. Nós temos que voltar para o modelo bíblico”.
Os portenhos – assim são conhecidas as pessoas que moram na cidade – tentaram iniciar um movimento depois da cruzada que Billy Graham fez na capital em 1962, e tentaram novamente depois da cruzada de Luis Pallau em 1977, mas as duas tentativas foram um fiasco. “As igrejas nunca foram hostis ou competitivas”, disse Juan Pablo Bongarrá, o irmão que é pastor na Church of the Open Door (Igreja de Portas Abertas), elas apenas estavam focadas em seus próprios projetos.
Um novo espírito de unidade nasceu no começo dos anos 80, quando centenas de cidades argentinas formaram conselhos pastorais, graças à cruzada de Carlos Annacondia. O homem de negócios transformado em pregador da palavra solicitava a formação de um conselho antes que ele fosse visitar uma cidade. No final daquela década tivemos dois retiros nacionais com 1.200 pastores.
O conselho de Buenos Aires foi fundado em 1982 por cinco pastores: Bongarrá, Saracco, Mraida, o pastor carismático Jorge Himitián e o pastor batista Pablo Deiros. O ponto de partida desses homens foi proporcionar a amizade entre os pastores, “já que é mais fácil unir pessoas do que denominações”. Disse Saracco.
Depois veio a reconciliação e o perdão pelos erros passados. O tumulto político durante a chamada Guerra Suja, que assolou a nação nos anos 70 e 80, criou uma profunda divisão entre as igrejas mainline (que tendem a ser mais liberais com as questões teológicas e bastante preocupadas com as questões sociais), que defenderam os direitos humanos, e as igrejas evangélicas, que permaneceram em silêncio.
Em uma conferência no centro comercial da cidade em 1999, o conselho pediu que os grupos se perdoassem diante das 25.000 pessoas reunidas ali.
Com o passar do tempo, os pastores quiseram formalizar a estrutura e criaram escritórios oficiais rotativos com as pessoas eleitas para presidente, vice-presidente e outros cargos tradicionais. Porém, enquanto funcionava apenas como uma instituição típica, não funcionou muito bem, e o conselho perdeu força. Então em 2006 o conselho convidou os fundadores (menos Deiros que saiu para ir para o Fuller Theological Seminary) para voltarem e revitalizarem o conselho. Os quatro concordaram, mas com uma condição. “Nós mudamos o modo de pensar e dissemos: não vamos trabalhar como se fossemos uma instituição; vamos trabalhar como uma igreja e focar nos dons espirituais”, disse Bongarrá. “Quais pastores são evangelistas? Mestres? Profetas? Apóstolos?” Hoje, participam do conselho mais de 180 pastores, estes representam 150 das 350 igrejas que temos na cidade.
O movimento de unidade rapidamente mudou de amizade entre pastores para igrejas ajudando igrejas. Quando uma igreja anglicana foi forçada a encerrar seu programa de escola dominical em 2008 por falta de professores, o que motivou um êxodo entre as famílias, a igreja pentecostal do pastor Saracco enviou quatro voluntários para conduzir o programa no ano de 2009. Quando um pastor do subúrbio enfrentou a possível perda da propriedade onde funcionava a escola cristã em um processo legal no ano de 2008, o conselho pagou as taxas que estavam em débito e os salários dos professores até que a escola se tornasse independente.
Nos últimos quatro anos, Mraida convidou pastores de diferentes denominações para servir a comunidade mensalmente nos cultos de sua congregação Batista.
Quando a igreja de Mraida estava construindo um novo templo, o pastor Omar Cabrera, que tem uma organização interdenominacional – Vision of the Future Church (Visão da Igreja Futura) – e que fica a 10 quadras de distância da igreja, ajudou a igreja arrecadando os 70.000 pesos para comprar o cimento que tornaria possível que aquele prédio tivesse uma segunda história.
“Um monte de pastores me disseram, ‘ hei, ele está a 10 quadras de nós ‘, porque você vai ajudar a construir essa igreja?” E eu respondi, “Vamos lá, todos nós estamos no mesmo time”. Em junho de 2008 o conselho organizou 40 dias de oração, que culminou em três vigílias ao ar livre na frente do Congresso nacional. Depois tivemos mais 40 dias de oração em 2009 o que nos levou a fazer uma campanha de 50 dias, que começou na páscoa e foi até o pentecostes.
Evangelizando a Cidade
Então, em novembro de 2009, o movimento teve uma mudança significativa de igrejas ajudando igrejas para igrejas evangelizando a cidade juntas. “Com o passar dos anos nosso relacionamento ficou sólido”, disse Mraida, “mas não éramos capazes de alcançar o nível de uma missão”. Os pastores encarnaram o sacerdócio universal dos crentes e procuraram pessoas para assumir a “responsabilidade espiritual” por cada uma das 12 mil quadras no centro da cidade com três milhões de habitantes. Os voluntários oraram pela quadra sob sua responsabilidade e distribuíram Bíblias e folhetos. Hoje o conselho tem 7.000 quadras cobertas por voluntários de 100 igrejas locais. Os pastores estão confiantes de que eles irão encontrar voluntários para as 5.000 quadras que ainda faltam até o fim do ano.
O conselho lançou uma campanha de cinco anos baseada na Didaquê – obra antiga, também chamada de Instrução dos Doze Apóstolos, com as principais doutrinas cristãs – que foram condensadas em 40 sentenças em uma linguagem mais moderna. Há cada duas semanas a cidade é saturada com uma nova mensagem que promove os valores cristãos. A mensagem é divulgada em jornais, táxis, folhetos, outdoors, na tv e no rádio, sempre com o slogan “A Argentina que Deus quer… com Jesus Cristo é possível”. Muitas igrejas reforçam as propagandas pregando sermões relacionados ao tema naquela semana. As congregações estão tão entusiasmadas que as ofertas do conselho – que normalmente não ultrapassam 2.000 pesos por mês – recebeu em ofertas o espantoso montante de 750.000 pesos (equivalente a U$196.000 dólares) em cinco meses, para cobrir os gastos com publicidade.
O último exemplo de evangelismo na cidade foi em Fevereiro de 2010, com o envio de missionários para o Norte da África como representantes da igreja em Buenos Aires. As igrejas argentinas têm enviado missionários constantemente desde a conferência do COMIBAN (Conferencia Ibero Americana de Cooperação Missionária) em 1987 na cidade de São Paulo, quando foi despertada pelos movimentos missionários na América Latina.
Mas esse “envio” coletivo chegou em um novo patamar (a família Batista, por exemplo, é suprida por 20 igrejas). “Essa idéia tem um tremendo potencial missionário, e é um modelo que tornará possível fazer isso mesmo com a realidade econômica da América Latina”. Disse David Ruiz, o fundador e presidente internacional da COMIBAM.
Ruiz, agora diretor associado da World Evangelical Alliance Mission Commission, disse: “O sucesso da unidade em Buenos Aires veio no momento em que a unidade dos grupos tradicionais da América latina – tais como o conservador CONELA (Latin American Evangelical Fellowship) e a tradicional CLAI (Latin American Council of Churches) – estavam morrendo ou perdendo a relevância. As maiores parte das alianças evangélicas estão enfrentando crises de identidade. O conselho em Buenos Aires é o único grupo que trouxe uma alternativa para o modelo de unidade que existe na igreja da América latina”.
“O tipo de estrutura de unidade que Saracco e Bongarrá representam é novo. Eles, na verdade, fazem muitas coisas juntos”. Disse René Padilla, um dos principais teólogos da América latina e o presidente emérito da Fundação Kairós em Buenos Aires. Ele notou que o conselho é muito ativo, mas sua influência alcança somente o coração da cidade, não se estende para fora do centro, e as grandes divisões entre os grupos mainline e os conservadores ainda existe. Já existem sinais encorajadores com relação às pessoas dessas denominações. Mas ainda existe um longo caminho pela frente.
Além de Buenos Aires
Exemplos de unidade não estão restritos a Buenos Aires. Pastores em Neuquén estabeleceram um HMO Cristão que fornece serviços médicos a preços populares. Outros conselhos de outras cidades se juntaram e compraram uma propriedade para fundar estações de rádio cristãs. E outra vez falando em Buenos Aires, eles têm sido tão bem sucedidos que a ACIERA, Aliança Evangélica da Argentina, convocou todos os outros conselhos em abril para o seminário Batista da cidade, e dessa forma os pastores puderam aprender com os colegas portenhos.
As igrejas não precisam abandonar suas características para participar. Os pastores estão de acordo no que se refere aos elementos teológicos essenciais – “a Trindade, a morte de Jesus na cruz, sua segunda vinda – basicamente o evangelho pregado por Billy Graham e a Convenção de Lausanne”. Disse Bongarrá – e concordam em discordar do resto. Eles continuam a divergir em questões como o divórcio, segurança de salvação eterna, batismo no Espírito Santo e adoração, por exemplo.
“Esses debates podem ser importantes em minha congregação, mas não são importantes pra trabalharmos juntos e pregar o evangelho para a cidade”. Disse Bongarrá. “Nós aceitamos as diferenças e as vemos como riquezas. Seria muito chato se todas as igrejas fossem iguais. Imagine se Deus só tivesse criado um tipo de flor; seria bem chato”.
Ao invés disso as igrejas estão fazendo um intercâmbio com seus dons e pontos fortes. “Hoje as igrejas mainline estão ajudando as igrejas evangélicas a fazer o trabalho social, e as igrejas evangélicas estão ajudando as igrejas mainline a fazer evangelismo”. Disse Bongarrá. Os cristãos agora desfrutam de uma maior influência na esfera pública porque podem se apresentar como uma frente unida quando vão confrontar o governo, como aconteceu recentemente, em novembro, na questão do casamento homossexual.
Bongarrá e Saracco dizem que o processo para escolher as iniciativas e simples: o conselho de reúne mensalmente para uma refeição, uma pela manhã e outra no final da tarde para incluir os pastores que também trabalham secularmente. Depois de comer e ter comunhão uns com os outros, eles apresentam e discutem as idéias, que recebem um voto final de todo o grupo. Então eles verificam qual dos pastores tem o dom espiritual para implementar aquele projeto.
A estrutura desprendida é o que julgamos ser a chave do sucesso. E ainda mais, temos algo para fazer juntos. “Por muitos anos nós nos reunimos como um conselho, mas não tínhamos um projeto em comum”. Disse Bongarrá. “Agora mais e mais pastores estão se juntando a nós porque é bom orar junto e ter um tempo agradável juntos, mas as pessoas estão mais felizes, pois tem algo a fazer”. Mraida disse que “O mais importante é ter em mente que a unidade deve ser um processo continuo, não um evento”. “Unidade para a cidade é um processo”.
Quem visitou a Argentina falou muito a respeito do avivamento que puderam observar. Bongarrá conta: “nós temos tido crescimento nas igrejas, mas não avivamento. Avivamento muda a estrutura da sociedade. Agora nós temos algo melhor que avivamento: unidade. A unidade trouxe a oportunidade para o verdadeiro avivamento”.
Quão longe os pastores em Buenos Aires podem ir com seus esforços para se tornarem um? “Nossa visão é que um dia não teremos nenhuma separação entre as denominações, e trabalhamos com esse objetivo”. Disse Saracco, citando João 17. “Mas hoje nós temos consciência das nossas diferenças e sabemos que não veremos tal unidade enquanto estivermos vivos”.
“Nossa visão e nosso trabalho é um na fé. Talvez levem 100, 200 ou 300 anos. Nós não sabemos. Mas Abraão foi o pai da fé porque ele creu e não porque ele viu”.
TRADUÇÃO: Léia Santana
Fonte: christianitytoday